Bee Girl

terça-feira, dezembro 18, 2007

Pearl Jam: Às Lágrimas em Praça Pública

Este texto é do Marcello Salles que escreve para o site Fazendo Média: http://www.fazendomedia.com

Mesmo que fale sobre o show do Pearl Jam no Rio de Janeiro, descreve bem a sensação que todos os fãs da banda sentiram ao vê-los no palco. Parabéns, Marcello!


A sensação era impressionante. Minutos antes do início uma energia inexplicável se apossava das pessoas; isso era visível em cada olhar, em cada gesto. A tensão atingia níveis extremos, beirando o descontrole. A multidão se movia como uma massa, de um lado a outro, sem que ninguém individualmente conseguisse se mover. Era difícil até mesmo pensar, sentir ou ver outra coisa que não o palco. O palco, aquele espaço vazio, oposto à multidão que o encarava, exercia verdadeiro fascínio sobre todos. E todos aguardavam, cada vez mais ansiosos, o tão esperado espetáculo.

A lua sorria ao lado de uma única estrela quando o Pearl Jam surgiu para delírio da multidão que tomava todos os espaços da Praça da Apoteose (RJ). As duas primeiras músicas desencadearam a energia contida durante quinze anos e só comparável a uma violenta queda d'água. Nos minutos seguintes, só permaneceram, ou melhor, só sobreviveram à enxurrada nos vinte primeiros metros aqueles abençoados pela sorte divina ou pela musculatura avantajada.

Finalmente veio o "boa noite" de Eddie Vedder. E o pedido por paciência, pois alguém havia se machucado. "Em primeiro lugar, ajudar quem precisa", disse, já empunhando sua garrafa de vinho tinto, que o acompanharia durante a noite. A iluminação esteve perfeita o tempo todo, assim como o som para os que ficaram à frente da cabine de controle, pois a Apoteose tem um sério problema de acústica.

O show seguiu de nove até quase meia-noite, com saldo de cinqüenta mil pessoas presentes, faturamento aproximado de cinco milhões de reais e mais de vinte músicas, incluindo os principais sucessos como Black, Alive, Last Kiss e Jeremy. E foram justamente essas quatro que tocaram a alma de quem ali estava.

Se por um lado a infância conturbada de Vedder fica evidente na letra de Alive, existe também forte identificação do público com seu jeito aparentemente desregulado de ser e com a mensagem da canção que, no final, apesar de tudo, garante que você ainda está vivo. Last Kiss só veio no final do show, junto com Jeremy, e mantiveram os dois lados da arquibancada de pé o tempo inteiro.

Mas foi Black que fez muita gente chorar em praça pública. E foi aí que percebi que nenhum outro cantor tem a menor possibilidade de interpretá-la. Não importa que Vedder tenha repetido a música mil vezes ao longo de sua carreira. A questão é que sua voz parece uma extensão da letra e cada sílaba é profundamente carregada de emoção; e mais, ela ganha vida e pulsa dentro de cada um. É como estar diante de um quadro expressionista: não é preciso entender de arte para se arrepiar. A sensação é imediata e mecânica, percorre a espinha dorsal e quando você percebe já está coberto de lágrimas.

Na despedida, falando num português arrastado e envolto pela bandeira do Brasil, Eddie Vedder deixou a seguinte mensagem: "Hoje é nossa última noite no Brasil. Da próxima vez que tocarmos aqui o mundo será melhor porque George Bush não será mais presidente". Foi o suficiente para terminar de conquistar o público, que há muito já havia ganho. Nenhuma surpresa para quem acompanha a banda que, por exemplo, interpreta Masters of War, de Bob Dylan, música que traz em um dos trechos: "Venham vocês mestres da guerra/Vocês que constroem armas gigantes/Vocês que constroem planos de morte/Vocês que constroem todas as bombas/Vocês que se escondem atrás das paredes/Vocês que se escondem atrás das mesas".

O discurso de Vedder é significativo, pois vem num momento em que os EUA revivem o período de caça às bruxas, e boa parte dos artistas estadunidenses teme criticar publicamente as ações de seu governo. Quem foi que disse que a arte não deve ser engajada?